terça-feira, 22 de março de 2011

A ROSA ESCARLATE - MANGA FEMENINO QUE OS MENIOS SÃO FÃ!!

           Os autores franceses têm duas abordagens quando o assunto é o mangá produzido por eles. Uma vertente tenta se aproximar do formato original, com narrativa menos densa, mais páginas, preto e branco e um formato mais próximo dos livros, como acontece com os mangás japoneses. A outra tenta se adequar às necessidades do formato álbum, mercadologicamente estabelecidos no país, aumentando a densidade narrativa mas seguindo a mesma mecânica visual – ou seja, ao invés de se aumentar o número de páginas, se aumenta o número de quadros para se tentar efetuar uma linguagem mais cinematográfica.
La Rose Écarlate, obra planejada para cinco álbuns, é um exemplo desse hibridismo. A história gira em torno de Maud, uma moça de dezoito anos que vive em uma pequena cidade até o momento em que seu pai é assassinado por um desconhecido. Confiada a seu avô, o Conde de la Roche, ela se muda para a capital – trazendo consigo um livro herdado de seu pai, que é alvo de cobiça da parte de muitas pessoas, mas o seu verdadeiro pensamento é vingar a morte do pai. Após o breve contato com um justiceiro conhecido como Rénard, que a impressiona profundamente, ela decide vestir uma máscara e se tornar uma vingadora conhecida como... A Rosa Escarlate.
Sejamos sinceros: materiais desse tipo existem aos montes na França – da mesma forma que a capital mundial dos quadrinhos de samurai ainda é o Japão. Desde o famoso De Cape et le Crocs de Alain Ayroles e Jean-Luc Masbou, passando pelo ótimo O Escorpião de Stephen Desberg e Enrico Marini, capa-e-espada é um gênero tradicional que faz parte da própria identidade cultural francesa. Quem tem Alexandre Dumas e Michel Zévaco em casa não precisa arrotar Marcel Proust e a turma do existencialismo para se fazer respeitado. Enquanto no cinema americano o gênero se tornou semi-morto, volta e meia salta da França um filme como Tudo pela Honra, fácil de achar em qualquer locadora por aqui (se não viram, eu recomendo. Vale a pena).
De certa forma, Rosa Escarlate carrega consigo toda essa carga cultural – e essa cruza entre tradicional e moderno parece ser parte do segredo do seu sucesso entre o público mais jovem – que sempre garante sua presença, a cada álbum, entre as indicações do prêmio para a juventude do festival de Angoulême. Não é um olhar fascinado de estrangeiro. Todos os críticos parecem ser unânimes ao definir a personagem menos como uma mera sucedânea da Lady Oscar do mangá/anime A Rosa de Versalhes (que apesar de tudo é influência visível e confessa) do que como um híbrido que junta a obra de Ikeda à companhia de A Tulipa Negra (do próprio Dumas) e – não é óbvio? – o bom e velho Zorro (não custa dizer que "Renard", em francês, quer dizer raposa). Funciona.
Rosa Escarlate é um ótimo exemplo de como o mangá pode ser usado para olhar o que existe ao alcance de nossa mão sob um novo viés criativo e estético – e não custa observar que sua narrativa, mesmo híbrida, parece ainda estar mais atrelada ao molde tradicional francês do que ao mangá quando pesada na balança. Mas e daí? A forma em que se é publicado influi e exige maior densidade narrativa – lembrem, quantas páginas tem um álbum europeu mesmo? Tem seu público e cumpre seu papel de entretenimento folhetinesco – que afinal de contas é uma coisa que os franceses sempre souberam fazer bem, embora anos de nouvelle vaugue tenham arruinado sua imagem para os seres humanos normais. E por outro lado, o bom mangá não é antes de mais nada um folhetinzão?